Vou te resumir de uma forma bem fria sobre o que é essa franquia. Yakuza é uma série de jogos onde homens atraentes retiram suas camisas, gritam olhando para o céu e ainda trocam socos colocando seu orgulho na linha. Bem simples não? Bom, apesar disso ser a base dos jogos, ele vai muito mais longe, pois eles tendem a retratar a importância da amizade, apresentar personagens lutando para se libertar de um sistema bem complexo, procurando superar os obstáculos que encontram pelo caminho, fazer o que é certo quando tudo parece estar dando errado, mas além disso ele acaba sendo estranho, engraçado e completamente bizarro em alguns momentos ao longo da campanha, e graças a isso ele acaba trazendo eventos tão marcantes que, quando você menos espera, já está tão envolvido que não quer parar de progredir para saber logo o que irá acontecer com a trama.
Esta curioso para saber mais sobre a série? Continue lendo que irei contar com mais detalhes sobre essa franquia de jogos.
Desenvolvimento
O ano é 2004, Sega havia acabado de declarar que iria sair do mercado de consoles para se tornar uma empresa de terceira. Certos funcionários estavam muito céticos e se perguntando como seria o futuro da empresa, mas havia uma pessoa que via isso como uma oportunidade para a companhia crescer de vez, seu nome é Toshihiro Nagoshi.
Nesta época, o CEO da Sega estava combinando várias equipes que tinha disponível para melhorar e acelerar a produção dos jogos. Nagoshi aproveitou que ninguém de seu time estava tão a vontade uns com os outros e assim saíram em um bar que havia naquela região com o objetivo de melhorar a confiança entre eles mesmos, e que por um acaso deu muito certo. Durante a ida para o bar lhe ocorreu um pensamento: "e se nós criássemos um jogo mundo aberto voltado para adultos, ambientado nas ruas de Tóquio?". Sem conseguir tirar a ideia da cabeça, ele conversou com sua turma e todos curtiram o conceito e começaram a bolar ainda mais a base do jogo. Com tudo pronto, chegou a hora de revelar para os superiores, mas infelizmente eles recusaram de imediato.Uma crença havia se estabelecido durante este início dos anos 2000: jogos são feitos e voltados para crianças. Apesar de existirem jogos centrados para o público adulto, eles normalmente envolviam o protagonista enfrentando zumbis, monstros ou alguma outra criatura mitológica. Enquanto Yakuza era muito japonês para vender para o público americano, muito violento para vender para crianças e seres humanos brigando entre si não pegava muito bem na época, principalmente para o público japonês.
Com tudo isso em mente, não chega a ser difícil de dizer que o conceito do jogo de Nagoshi era exagerada demais e um risco muito grande para a empresa aceitar, mas ele não desistiu, e insistiu tanto na ideia para seus superiores que até mesmo colocou seu emprego em risco, dizendo que nunca mais a Sega iria ouvir falar dele pelo resto da vida se o jogo fosse mal nas vendas. Ao lembrar que ele já havia feito bons títulos como o Daytona USA, F-Zero GX e Virtua Fighter, que rendeu bons lucros para a companhia, eles acabaram cedendo ao seu pedido, assim dando sinal verde para a produção de Yakuza.
O jogo em si, o que é?
Yakuza é um RPG de ação com mecânicas bem semelhantes aos antigos beating-up (onde um personagem enfrenta um exército de inimigos apenas com os punhos), adicionando uma leve pitada de mundo aberto, mas com um certo porém deste gênero. Primeiro: existe um certo padrão dentro deste mesmo tema, títulos como o próprio GTA, Watch Dogs em si apresentam uma cidade onde o jogador está livre das leis, podendo matar civis, atacar a polícia, dirigir em alta velocidade e afins, mas ao mesmo tempo pede que o jogador sinta uma empatia com o protagonista, ocorrendo um grave erro de concordância com que o jogo quer passar.
Durante uma entrevista, o próprio Nagoshi disse que não consegue e nem se sente a vontade de promover que matar e cometer crimes é algo divertido de se fazer, e graças a isso deixa o mundo de Yakuza mais vivo, algo bem diferente de se experimentar, o deixando bem único. Por isso ele decidiu implementar esse sistema eliminando completamente a violência gratuita que o jogador pode causar, por algo mais natural e simples. E foi com base nisso que ele deixou o jogo ser como é.
Apesar do protagonista ser realmente um criminoso acima da lei, ele consegue passar uma sensação de ser uma pessoa normal simplesmente retirando a violência desnecessária. O jogador só tem opção de lutar com alguém quando ele é confrontado com uns caras aleatórios da cidade ou quando se está progredindo na campanha. Isso pode soar ruim para algumas pessoas, mas acredite quando digo que é excelente.
Olhe o protagonista Kazuma Kiryu de exemplo. O temido "Dragão de Dojima", passou por muita coisa para ser o que é hoje e ele é invejado por outros membros da Yakuza, por ser o equivalente ao demônio de tão forte que ele é. Tirando esse fato, ele é apenas um simples ser humano, tem desejos de humano, quer viver uma vida normal, uma vida de civil logo após de ter perdido vários entes queridos graças a facção criminosa que ele servia. Aqui entra outro ponto que acho super positivo que não se vê tanto em jogos mundo aberto, a exploração e o quão vivo e denso é a cidade de Kamurocho.Existem inúmeros jogos dentro do mesmo gênero de mundo aberto onde as empresas concentram seus esforços para fazer o mundo mais belo de todos e deixar o jogador se sentir livre para explorar o que ele quiser, mas infelizmente este mesmo universo acaba sendo bem monótono e enjoativo depois de uma certa exploração. Mas na cidade de Kamurocho (e outras cidades de outros jogos) tem o foco em densidade e diversidade. Como o local é inspirado nas ruas de Tóquio, ele não passa de um mapa apenas com alguns quarteirões de tamanho (basicamente um bairro de uma cidade).
Mapa da Cidade de Kamurocho |
Um outro item super interessante sobre essa série, são as missões paralelas. Claro que existe missões secundárias desinteressantes que são bem rasas, rápidas e esquecíveis, mas existem alguns que deixam o jogo completamente diferente. Tome nota como exemplo a cidade de Onomichi, localizado em Hiroshima em Yakuza 6. Ele é um mapa bem simples e pequeno, mas se você andar no píer vai acabar descobrindo uma missão secundária sobre uma jovem que é dona de um restaurante e não consegue adquirir peixes de seu fornecedor pois ele se machucou, então o Kiryu vira um pescador e mergulha no oceano para buscar peixes, e o jogo vira literalmente um rail-shooter onde o jogador controla somente a mira e aperta um botão para atirar, enfrentando chefes únicos e exclusivos desta mesma missão (como uma lula gigante), o que pode simplesmente ser perdido se você não der uma explorada básica na cidade.
Cada jogo da série tende a ter algo bem único que acaba se diferenciando dos demais jogos e ainda por cima do próprio título. Como em Yakuza 5, onde o jogador pode se tornar um jogador de baseball, ou um próprio taxista, ou ser dono de uma boate em Yakuza 0. São durante estas e outras missões paralelas onde a personalidade do protagonista brilha, pois são nelas onde você acaba tendo mais intimidade e seu lado mais bobo quando eles se encontram em uma situação constrangedora, para que quando você investir na narrativa, já vai estar engajado o suficiente para se importar e muito com o personagem, principalmente com Kazuma Kiryu.O conteúdo da narrativa vai variar e muito de jogo a jogo, que geralmente pode envolver conflitos com crianças, briga por terreno, dinheiro, grandes conspirações envolvendo vários clãs da Yakuza, que habitualmente vai levar o protagonista a entrar dentro de um prédio para lutar contra centenas de inimigos, para assim enfrentar o chefe tirando a sua camisa e bater nele até que fique bonzinho. A qualidade varia bastante, podendo agradar mais uns do que outros, mas um ponto que é consistente na franquia é a qualidade visual (até mesmo em antigos videogames) e a expressão dos personagens durante as cenas cinematográficas, conseguindo passar com tranquilidade o que os personagens estão sentindo, e misturando bem com a trilha sonora, acaba gerando um drama bem feito e deixando o jogador intrigado.
Exemplo observe esta cena de encontro entre o Someya e Kiryu.
Se você prestar bem atenção, vai ver que este encontro vai ser algo bem pesado entre os dois mais lá pra frente. E geralmente é este tipo de comportamento que o Kiryu tem com outros membros da Yakuza. A filosofia de Nagoshi de que não se sente bem de promover que matar é divertido, se aplica diretamente no protagonista.Existe uma ideia meio romântica no Japão sobre o que é ser um Yakuza. Tirando o fato deles serem uma organização criminosa bem conhecida, a opinião pública sobre isso é bem mista. Para as pessoas, essa gangue de criminosos são o que mantém as ruas livres de crimes e de outras organizações de criminosos, e isso se dá ao fato deles serem altamente ativos na politica do país procurando ajudar a sociedade em momentos de crise, como foi em um grande terremoto em 2011, onde a Yakuza ajudou as pessoas distribuindo comida e abrigo.
Esta visão de que Yakuza são um bando de samurais modernos, mas com decisões questionáveis é compartilhado pelo Kazuma Kiryu, onde utiliza vários meios além das leis da sociedade para fazer o que acha certo e criar seu próprio caminho. O único problema com esta ideologia pode ser revelado com uma breve pesquisa sobre o assunto, Yakuza é uma organização de criminosos que se envolve com tráfico de pessoas, corrupção dentro do governo, rinha de animais, e ainda por cima uma guerra de gangues no meio da cidade envolvendo várias mortes de civis.
Essa realidade violenta está personificado com os personagens ao redor de Kiryu. O protagonista é uma pessoa bem amável e gentil, mas ele está envolvido com organizações que está lotado de gente mal intencionada e cada um tem sua própria filosofia sobre o que é ser um Yakuza propriamente dito, e são essas mesmas ideologias que levam o jogador a ter os encontros mais emocionantes e brutais.
Vou voltar no Someya por um instante. Se aquela cena não foi uma indicação o suficiente, vai chegar um momento na história onde ele e o Kiryu tem um confronto. Esse tipo de situação tende a coincidir em certos momentos durante a campanha, e são nesses instantes onde os personagens tiram suas camisas e mostram suas enormes tatuagens em suas costas, antes de começarem a se espancar. As tatuagens em específico contém um valor simbólico enorme sobre o que é ser um Yakuza para estes personagens.
Tome como exemplo o dragão nas costas de Kiryu. Este dragão é o indestrutível lorde dos céus, expressando sua própria força e comprometimento com sua liberdade. Ou a tatuagem de um peixe koi de seu irmão Nishiki, onde existe uma lenda de que ele nada uma cachoeira acima para que um dia se torne um dragão, marcando seu desejo de ultrapassar o Kiryu.
Costas do Kiryu e de Nishiki respectivamente |
Isso fica cada vez mais constante e traz uma tristeza só, pois parece que as lutas nunca vão acabar, e graças a isso que Kiryu fica inevitavelmente cansado dessa vida e decide tentar ter uma vida normal e pacífica com a sua filha adotiva, Haruka. Mas infelizmente tem um problema. Para ele, ser um Yakuza é algo de nascença e não algo que você se torna, e isso dificulta e muito para se encaixar em qualquer canto da sociedade, e de novo, de novo, e de novo ele é atraído de volta para esses conflitos, preso dentro de um looping de ser um Yakuza ao lado de seu desejo de ter uma vida pacífica com sua família. Esta é a luta que é recorrente na franquia inteira.
O que chega a ser bem interessante nesta franquia, é que ele possui uma história boba onde o protagonista parte em busca de uma lula gigante, mas que de repente, ele traz uma trama de pessoas quebradas que lutam incessantemente em busca de conquistar algo para sua vida. Yakuza é trágico e hilário, mas a vida é trágica e hilária também, e são graças a estas duas peças que formam algo comovente.
Lugar para começar
A franquia Yakuza possui oito jogos principais e outros seis spin-off. Não existe muita complexidade sobre a divisão da linha principal, pois ela consiste de uma numeração básica do zero ao sete, enquanto a série secundária está um preso somente ao público japonês, com exceção de dois títulos, que é o Judgement e Lost Judgement.
Caso esteja procurando um jogo para começar, eu recomendo fortemente o zero e o sete. O sétimo jogo não possui uma ligação tão forte com os antecessores, pois ele traz um protagonista novo e um sistema completamente diferente porque ele é um RPG de turno. Mas como o foco é no Kiryu, o zero é o melhor jogo começar dado ao fato dele ser realmente o início de carreira do protagonista, de como ele saiu de um capanga qualquer de terno barato, até um indomável Dragão.
Além de conhecer a origem de Kiryu, o Yakuza 0 é perfeito também para você conhecer a história da sua contraparte, Goro Majima.Majima é um rival completamente lunático que tem um comportamento contrário a de Kiryu, se tornando um aliado ao mais tardar da série. Durante a campanha do jogo é explicado de maneira gradual o porque ele é o famoso "Cão louco de Shimano", trazendo uma poderosa história triste sobre viver uma vida em seus próprios termos e ser quem você deve ser.
Conclusão
Caso você tenha lido até aqui, espero que tenha conseguido transmitir para você o quão interessante e profundos são esses jogos, não só trazendo algum tipo de entretenimento mas também lições que pode durar uma vida toda. E para não ficar em uma mesmice só, Nagoshi traz vários elementos novos em seus jogos, para deixá-los bem únicos. Uma franquia tão boa quanto esta, só podia vir de um homem apaixonado que acredita no que faz. É por isso que você devia dar uma chance para a série Yakuza.Leia também a análise de Judgement
Inspirações:
Why Should You Play Yakuza; Fluxo e Refluxo - Conversas sobre a recente onda de games japoneses; Forging The Dragon
Um intenso trabalho de pesquisa,além do conhecimento adquirido jogando. Excelente texto.
ResponderExcluirMuito obrigado, Samu! Fico bem feliz que tenha gostado!
ExcluirSimplesmente incrível, joguei todos os Yakuza e pretendo em breve jogar Judgement, queria muito jogar ishin e kenzan mas só me limitei a ver vídeos no YouTube em que japoneses traduziram as cutscenes pro inglês :(, excelente artigo e quero realmente que Yakuza tenha sua fama ainda maior no ocidente.
ResponderExcluirFico muito feliz que tenha gostado, Alan. Creio que seja questão de tempo até a a Sega lançar os Spin offs pra cá, pois graças ao Yakuza 7 a franquia cresceu horrores, tanto que a empresa decidiu lançar os jogos simultaneamente para todos os países.
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